Canuta Caetano – Canutinha (in memoriam)

Mestra de Caxambu

“O que é da gente, ninguém tira”

Guardiã das tradições e histórias do Caxambu Alegria de Viver  de Vargem Alegre, a Mestra Canuta Caetano, Dona Canutinha, divide com a família a missão de ligar passado e futuro, num chão de  memórias afetivas. Ao tecer uma teia de lembranças dos antepassados, busca constituir a própria identidade.

Em Vargem Alegre o grupo de Caxambu divide o espaço com a comunidade católica de São Sebastião, santo de devoção de toda a família Caetano.  Risonha, terna e ativa, Canutinha exerce forte liderança tanto na família como na comunidade, onde é referência para as atividades religiosas, entre as quais a de  ministra da Eucaristia. É em frente à sua casa que é  montada  a fogueira em torno da qual os “Caetano” promovem as seculares e animadas rodas de Caxambu.

Canuta nasceu em 13 de julho de 1938, no mesmo pedaço de chão onde ainda vive, cercada por parentes próximos, na comunidade de Vargem Alegre, distrito de São Vicente. É filha de Saturnino Luís Caetano e Antônia Mendes de Souza Caetano, que eram filhos de escravos libertos da Fazenda da Serra, maior fazenda escravocrata da região. É a sétima dos treze filhos do casal.

Sua liderança no Caxambu surgiu cedo. Aos 17 anos, assumiu a função de mestra em virtude das dificuldades que os pais já idosos enfrentavam para cumprir as obrigações. Mas o sorriso permanente e a vivacidade escondem uma história de perdas que volta e meia entristecem a falante Canutinha.

Ela se casou muito jovem, teve um único filho e foi abandonada pelo marido três meses depois do nascimento da criança. Doze anos depois casou-se com Orestes Fornasier Dalto, proprietário rural vizinho, descendente de italianos, então com 65 anos de idade. Após três anos da união, ficou viúva e retornou para a casa da família.  Perdeu também o filho Antonio, que morreu aos 33 anos, deixando quatro netos que já lhe deram quatro bisnetos.

“Às vezes a tristeza é grande, mas não deixo a depressão me vencer”, diz convicta. A longevidade é um traço comum na família. A avó materna, ex-escrava, morreu aos 131. Jongueira, a avó ensinou a ela muito sobre Caxambu. Canutinha é respeitada não só em Vargem Alegre como também em Cachoeiro por sua postura firme na defesa das tradições e na condução das atividades religiosas.

Em 2008 o Grupo de Caxambu Alegria de Viver recebeu do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) o título de Patrimônio Cultural do Brasil. No ano seguinte Canutinha ganhou o Prêmio Mestra Dona Izabel, concedido pelo Ministério da Cultura e também o Prêmio Mestre Armojo do Folclore Capixaba, da Secretaria de Estado da Cultura (Secult). Em 2010 Canutinha foi reconhecida como Patrimônio Vivo de Cachoeiro.

Sábia, diz que na vida é preciso destinar tempo para a fé, mas também para a diversão. “Há tempo para tudo, tempo para viver a vida”, ensina. À beira do fogão, dá mostras da memória caudalosa ao contar episódios da infância, ocorridos há mais de 60 anos. Ela conta, por exemplo, que tinha fama de não gostar das tarefas domésticas, o que irritava as irmãs. E para escapar do trabalho, sempre fugia para a escola mais cedo, revela com um sorriso maroto.

Excelente cozinheira e boa anfitriã, não há quem não se sinta em casa no lar singelo de Canutinha. Impossível é resistir ao convite para um “dedo de prosa”, à beira do fogão sempre aceso e, principalmente, para provar a comida preparada em meio a lembranças e saudade de um tempo que se faz presente tão somente pelo Caxambu Alegria de Viver.


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