Rogério Vieira Machado
Mestre de Folia de Reis
“O mestre tem que liderar a si mesmo e saber apontar o caminho”
Sucessor de João Inácio no comando da Folia de Reis Estrela do Mar, Rogério Vieira Machado demonstra a mesma intensidade de fé nos “Três Reis” e o mesmo senso de compromisso com a missão. Faz questão de reverenciar a memória e os ensinamentos do mestre. “Ele me ensinou a ser homem, a ter responsabilidades, palavra. Foi muito mais que um pai”.
Rogério também começou menino no universo das Folias de Reis. Desempenhou várias funções ao longo de mais de 30 anos de vivência. E se recorda com emoção do dia em que João Inácio anunciou que seria ele seu sucessor no comando da Estrela do Mar, o mais tradicional grupo em atividade em Cachoeiro.
Foi em 6 de janeiro de 2009, não por acaso o Dia de Reis. “Tinha um encontro em Muqui e ele, já adoentado, disse que não iria e que eu seria o mestre. Em dezembro daquele ano ele morreu”, rememora.
Nascido e criado no Zumbi – o mais populoso e eclético bairro de Cachoeiro-, em 9 de março de 1968, Rogério já trabalhou como mecânico, marteleteiro e desde 1993 ganha a vida como segurança. É pai de nove filhos. Tem um jeito sereno e a fala pausada. Evoca a figura da avó Maria, parteira conhecida na região, como uma de suas principais referências ao lado de João Inácio.
Começou a sair em Folia de Reis aos oito anos, levado por Jorge Carias, já falecido, mestre da Estrela Dalva. Aos 15 entrou para a Folia Estrela do Mar, onde começou também “batendo caixa”. Mais tarde, com a falta de um palhaço no grupo resolveu assumir seu lugar. Fez então promessa de cumprir a jornada por sete anos. Mas acabou estendendo o tempo por mais nove, num total de 16 anos.
Indagado sobre a função do palhaço na Folia, faz ar de mistério e revela que sob a máscara o homem se transfigura. “Embaixo da máscara, nenhum palhaço está sozinho”, afirma numa referência à vivência religiosa que transita entre a fé católica e as religiões de matriz africana.
Por sua devoção e compromisso, foi convidado por João Inácio para assumir o oficio de contramestre, função que desempenhou por dez anos até se tornar o líder do grupo. “É uma coisa apaixonante. Depois que a gente entra na Folia não tem como sair. Pode até tentar, mas parece que fica faltando alguma coisa. Quando chega o dia 24 de dezembro, é como um chamado que a gente precisa atender”.
Rogério é um dos mestres da cultura popular em Cachoeiro reconhecidos como Patrimônio Vivo em 2012. Este ano é especial para a Folia Estrela do Mar também porque o grupo ganhou o Prêmio Renato Pacheco, concedido pela Secretaria de Estado da Cultura (Secult) a grupos folclóricos radicados no Espírito Santo para aquisição de indumenárias, adereços e instrumentos musicais.
Instado a explicar o que é uma Folia de Reis, após longa e refletida pausa apresenta uma definição que só reforça o sentido devocional. “É um grupo religioso que sai falando sobre o nascimento de Jesus, levando a esperança de um Deus vivo na casa de quem recebe a bandeira. Quando se abre a porta para a Folia, se abre para o Senhor”.
Devoção, compromisso e fé estão na base das referências que constituem a identidade dos portadores do saber popular. Em cada grupo, é a partir da visão subjetiva do mestre acerca dos fatos e do mundo que as versões são assimiladas, transmitidas e se tornam críveis.
Há pouco tempo no comando da Estrela do Mar, Rogério reconhece que a tarefa não é fácil. “O papel do mestre é liderar. Mas antes de liderar os outros, é preciso liderar a si mesmo. E tem que saber apontar o caminho”.