Bate Flechas de São Sebastião

A origem dos grupos

Os caboclos do início de século XIX desenvolviam em suas manifestações culturais, vários estilos de dança, herança da mistura de culturas distintas de seus ancestrais, índios e negros. O uso da flecha era empregado na dança realizada pelo grupo que comemorava, ao final do dia, o sucesso obtido nas colheitas e caçadas.

Em estilo próprio, os negros enriqueceram o ritual dando às flechas nova simbologia, tomaram para si a responsabilidade e o gosto em manter a tradição, mantendo-a num contexto mais religioso que social. Já vinculada diretamente à religiosidade, a dança reforça o espírito de grupo, fortalecendo o significado das palavras: defesa, sobrevivência e autoestima que andavam tão em baixa entre o povo negro da época.

A dança manifestava através de ritual próprio, o desejo subjacente de liberdade e respeito. O bate flechas louva São Sebastião, não obstante, cada grupo representa e homenageia outros santos de sua devoção.

Com o passar dos anos, a manifestação sofreu grande influência do catolicismo popular cultuando também outros santos populares como Nossa Senhora Aparecida, São Cosme e São Damião, São Jorge, Nossa Senhora da Conceição, Menino Jesus de Praga, entre outros. A ritualística baseia-se na história de São Sebastião que é passada às novas gerações de forma oral, portanto com versões diferentes: São Sebastião era um soldado romano guerreiro que morreu em uma guerra santa amarrado em um tronco de oliveira, flechado por mouros; São Sebastião era um caboclo que morreu na guerra flechado por índios após ser amarrado em um tronco de laranjeira; São Sebastião era um índio que morreu em uma guerra flechado, amarrado em um tronco de bananeira, no entanto, para todos os mestres o bate flechas é um ritual de cura e expiração. São essas diversas interpretações que tornam nosso patrimônio imaterial único.

 

A música

Passada de pai e mãe para filhos e filhas, as letras conservam a estrutura e o tema acompanhados da melodia que lembram uma mistura de cantos cristãos, negros e indígenas. Os versos curtos representam a literatura oral. Incluindo rimas cruzadas que ajudam na memorização. Por apresentarem letras muito extensas os grupos costumam cantar apenas três estrofes, acompanhados de suas respectivas bandas de instrumentos de percussão e de sopro.

O tema geralmente ligado à religiosidade, aborda o cotidiano, os costumes e o sofrimento da humanidade, fala também de tradições ligadas à cultura ancestral. O ritmo forte e cadenciado propicia a entrada dos fiéis em transe, o que é necessário ao cumprimento da ritualística da manifestação.

 

Virgem das graças eu te amo tanto.

Nas horas tristes da solidão.
Oh! Virgem das graças.
Eu te amo tanto e cada vez
Eu te quero amar.

Eu sou
Eu sou.
Marinheiro eu sou.
Marinheiro da marinha.
Remo o barco devagar.

Marinheiro, marinheiro só.
Quem te ensinou a navegar.
Marinheiro só.

Na hora da despedida.
Não quero que ninguém chora.
Vocês fiquem com Deus.
Eu vou com Nossa Senhora.

Quando eu entro no campo flecheiro.
Peço licença Babá do terreiro.
Me dá licença meus caboclos.
Eu chamo caboclo flecheiro.

Caboclo panha sua flecha.
Pega seu bodoque.
O galo já cantou.
O galo já cantou na aruanda.
Vai se embora e
A sua umbanda te chama.

Caboclo lá das matas.
Que não fala com ninguém.
Afirma seu pensamento.
Caboclo das matas vem.
(Ponto cedido pela mestra Niecina Ferereira de Paula Silva, Dona Isolina)

Louvamos com alegria
À Deus que nos disseste.
A fundação deste centro
Foi no dia vinte e sete.

Viva, Viva, Viva! Mártir São Sebastião,
Deste centro é protetor.
Protegei todos os irmãos,
E nosso diretor.

Vinte e sete de abril
Do ano de trinta e nove
Oh! Deus, há nos há de vir
Porque sem vós nada move.

Viva, Viva, Viva! Mártir São Sebastião,
Deste centro é protetor.
Protegei todos os irmãos,
E nosso diretor.

Louvamos a Deus lá na glória
De Jesus meu salvador
Os santos nos dá vitória
Porque somos pecador.

Viva, Viva, Viva! Mártir São Sebastião,
Deste centro é protetor.
Protegei todos os irmãos,
E nosso diretor.

Todos vamos ao Salvador
Que ele chama com carinho,
Somos cegos pecadores.
Oh! Deus ensina-nos o caminho.

Viva, Viva, Viva! Mártir São Sebastião,
Deste centro é protetor.
Protegei todos os irmãos,
E nosso diretor.

Este Centro é um colégio
Das lições do Salvador,
Venham todos os irmãos
Aprenderem o que é amor

Eu sou São Sebastião de mártir
Sou vosso protetor,
Chamo todos os irmãos
Junto a Deus com o Diretor.

(Letra de José Antônio da Silva, oferecidas ao Diretor do Centro Espírita Mártir São Sebastião de Alto Paulista em 10 de abril de 1979)

 

A dança

No início do século XX o bate flechas era cantado e acompanhado apenas por palmas e flautas de taquara, hoje é acompanhado por uma pequena banda, pois a medida em que os músicos foram compondo o grupo, a ideia da banda foi inserida para embelezar e harmonizar a apresentação. Os instrumentos utilizados são: o pistão, o trombone, o chocalho, o tarol, o bombardino, o contra-baixo, a zabumba, o prato e a caixa.

Sinais orientam a dança desde a entrada dos componentes na roda até a saída. Os dançarinos alinham-se aos pares, um de frente para o outro, formando um círculo, vão batendo as fechas entrecruzando-as no ar da direita para a esquerda e vice-versa.

Homens, mulheres e crianças participam da dança devidamente vestidos, porém descalços, em homenagem a seus ancestrais. Após a bênção dada pelo mestre ou pelo obreiro no centro, o grupo parte em direção ao cruzeiro, ao som da banda e sob o comando do mestre, dá-se início a dança. Ao fim da dança, as flechas sagradas são novamente depositadas aos pés do cruzeiro.

A dança faz parte do ritual da umbanda que é praticado nos centros espíritas e exotéricos a cada quinze dias normalmente aos domingos. No passado o bate flechas era praticado apenas como parte do ritual, atualmente alguns centros têm licença de seus guias para realizarem apresentações culturais fora dos espaços de culto.

 

A indumentária

As roupas são confeccionadas pelos próprios participantes do grupo, as mulheres usam saia branca rodada com anágua ou bata de renda, também branca, na cabeça lenço branco. Os homens usam calça comprida, sapatos, camisa e quepe branco na cabeça.

Não existe rigidez na cor da roupa que pode ser verde ou vermelha que também são cores atribuídas a São Sebastião, todavia, na cabeça sempre usa-se branco. As crianças usam saias rodadas e batas mais curtas, dançam descalças e não usam nada na cabeça. Vestidos desta forma os componentes batem as flechas com grande entusiasmo numa atitude de louvor e respeito pela tradição.

Elemento importante na indumentária feminina é uma pequena toalha que fica pendurada entre a saia e o corpo, tem como função secar o suor. Homens e mulheres, de acordo com sua hierarquia no grupo, utilizam no pescoço a toalha de santo na cor branca com rendas nas extremidades e bordados com símbolos cristãos normalmente na cor vermelha. A toalha dá dignidade a quem a usa. É um signo do respeito devido pelos mais jovens a eles.

Originalmente os grupos utilizavam flechas de madeira esculpida medindo aproximadamente 60 centímetros da ponta ao suporte. Com o decorrer do tempo e as dificuldades que foram surgindo, elas foram substituídas por galhos de café (cafezinho do mato) que são roliços e fortes, do qual retira-se apenas a casca, medindo aproximadamente 80 centímetros. As flechas dos flecheiros, encontravam-se em uma só batida no ar, na evolução atual da dança, as mesmas além de encontrar-se no ar também são batidas no chão.

A beleza das flechas batendo em posições cadenciadas, a disciplina dos componentes, somada a bela plástica da manifestação, faz do bate flechas de São Sebastião uma das mais emocionantes e significativas manifestações do patrimônio imaterial do Brasil.

A bandeira é um instrumento sagrado, levada à frente do grupo com o objetivo identificá-lo. Nela encontra-se bordada, colada ou pintada a imagem do santo de devoção do grupo e o nome da casa de oração. Alguns grupos levam à frente três bandeiras, sendo sempre uma de maior dimensão que identifica o centro espírita. Normalmente as bandeiras são carregadas pelos responsáveis pela casa, mestre ou mestra. É também comum que a frente das procissões dos grupos a bandeira do Brasil ganhe destaque.

 

A jornada

Dentre as obrigações dos grupos de bate flechas destaca-se a visita, a essa visita dá-se o nome de jornada. A jornada é feita de acordo com o número de grupos de jornaleiros que forem recebidos em sua festa. No Zumbi a festa máxima acontece no dia 12 de outubro, dia de Nossa Senhora Aparecida, em Jacu no dia 20 de janeiro, dia de São Sebastião e, em Pacotuba no dia 8 de dezembro, dia de Nossa Senhora da Conceição. Se por algum motivo um grupo não puder retribuir a visita, a corrente é quebrada e só poderá ser restabelecida quando a visita for retribuída.

A festa acontece o dia inteiro, sendo que alguns grupos costumam chegar na noite que antecede aos festejos. Quando o grupo de jornaleiros chega, descem do veículo, formam-se em duas filas e soltam fogos avisando que chegaram. O grupo local, tendo como líder o mestre festeiro, sai batendo as flechas e tocando os instrumentos para recebê-los. Ao se encontrarem os grupos trocam suas bandeiras e seguem batendo as flechas cadenciadamente, ao som das duas bandas que passam a tocar no mesmo ritmo, em direção ao cruzeiro localizado na frente do centro espírita. Após diversas voltas, sempre batendo suas flechas, entram na casa de oração onde as bandeiras são destrocadas após muitas músicas e rezas.

Quatro são os elementos fundamentais nos encontros de bate flechas: a música, a dança, que é praticada quase à exaustão pelos grupos, a comida, elemento ritualístico e de congraçamento fundamental entre os grupos, e a procissão, quando os grupos saem do centro e realizam um percurso pré-definido em suas comunidades. Este é o momento de maior integração com a comunidade onde estão inseridos.

O encontro de bate flechas que acontece desde 1978 no Zumbi é o maior evento do gênero realizado no Espírito Santo, atraindo mais de vinte e sete grupos de jornaleiros totalizando aproximadamente 1.500 visitantes. O encontro de Alto Paulista teve sua primeira edição no ano de 1973 mas, com a transferência do local do centro espírita, passou a ser realizado na comunidade de Jacu reunindo dez grupos de jornaleiros.

 

O mestre

Seguindo postura secular, ao mestre cabe a função de entoar cantos (chamados de pontos), impor mudanças rítmicas e melódicas, imprimir disciplina e marcar apresentações para o grupo. A liderança nata é reconhecida pela comunidade, através da reverência com pedidos de bênçãos. A continuidade do trabalho normalmente é passada de pai e mãe para filhos e filhas, porém, alguns critérios são estabelecidos para escolha do suposto mestre fora da família, como: o conhecimento e profundo respeito pela manifestação. A escolha é natural, mas ainda não aconteceu nos grupos da Associação a necessidade de passar a liderança para pessoa que não pertença a família do mestre.

As informações sobre o bate flechas aqui transcritas foram passadas por Niecina Ferreira de Paula Silva a Dona Isolina, mestra do grupo de Bate flechas de São Sebastião Menino Jesus do bairro Zumbi, Izaías Quirino da Silva e Adílio Quirino da Silva, mestres do Grupo de Bate Flechas de São Sebastião de Jacu, Tereza Gomes de Souza, mestra do Grupo de Bate Flechas de São Sebastião do distrito de Pacotuba e Terezinha de Jesus de Oliveira Francisco mestra do bate flechas de São Sebastião do Zumbi.

 

Lista dos grupos de Bate Flechas:

  • Bate Flechas de São Sebastião Menino Jesus – Zumbi
  • Bate Flechas de São Sebastião São Jorge Guerreiro – Zumbi
  • Bate Flechas de São Sebastião do Rui Pinto Bandeira – Rui Pinto Bandeira
  • Bate Flechas de São Sebastião – Alto Paulista/Jacu

 

Contato



©2022 Todos os direitos reservados.