Folia de Reis Missão Divina – Burarama

Burarama é um distrito do município de Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo, que foi formado por imigrantes italianos, mas que é cercado por muitas antigas fazendas cafeeiras do período escravocrata e que fica próximo ao Quilombo Monte Alegre e a outras comunidades com expressiva população negra oriunda dessas fazendas. Dessa forma, a comunidade preservou muitas tradições culturais, tanto as de origem europeia como as de origem negra. Entre essas tradições está a folia de reis, manifestação que, desde tempos muito antigos, era bastante comum na região.

Um desses grupos que compõem a história local é a Folia de Reis Missão Divina, fundado por crianças que, no ciclo natalino, ao presenciar as jornadas dos grupos de folias de reis que passavam por sua comunidade, brincavam, imitando os foliões. Usavam latas e caixas de papelão como instrumentos musicais, máscaras e chapéus de jornal como fardamento, e saíam pelas ruas imitando as folias, até que seu período de férias escolares acabasse. Com o tempo e o incentivo dado às crianças, tanto por seus familiares como pela comunidade em geral, elas firmaram seu compromisso de fé aos Santos Reis Magos, e hoje, já homens e mulheres adultos, seguem suas jornadas pelas estradas rurais do interior capixaba. Vale ressaltar que muitos pais e avós dessas crianças haviam sido foliões na juventude, mas, já tendo cumprido suas promessas, aos poucos foram abandonando os grupos locais, os quais foram acabando gradativamente.

O Missão Divina foi oficialmente fundado em 1999, em Burarama, e se mantém até a atualidade cumprindo, todos os anos, o seu compromisso de fé e devoção aos Santos Reis. Isso ocorre no ciclo natalino – que vai de 24 de dezembro a 6 de janeiro – e também no ciclo de São Sebastião – que se inicia no dia 6 de janeiro e segue até o dia 20 do mesmo mês.

No ano de 1999, um grupo de crianças, alunos da Escola Estadual Wilson Resende, resolveu continuar essa brincadeira, que também foi levada para os intervalos das aulas na escola. Vendo isso, a professora de português Simone Marques e a secretária escolar Mariângela Grillo passaram a estimular essas crianças. Certo dia, o mestre de folia de reis Areno Francisco dos Santos, vendo essas crianças, também começou a incentivá-las, reunindo-se com elas fora do horário escolar, para ensinar as primeiras profecias. A única exigência que ele fazia é que as crianças tivessem compromisso com a escola e com o novo grupo que se iniciava. Surgia nesse momento a Folia de Reis de Burarama.

Naquele mesmo ano, os grupos de patrimônio imaterial de Cachoeiro de Itapemirim começavam a se articular e realizavam diversas reuniões, o que resultou, ao final do ano, na criação da Associação de Folclore de Cachoeiro de Itapemirim, da qual Moisés Ferreira Lima (o primeiro mestre do grupo de folia de Burarama) passou a participar, sempre acompanhado da secretária da escola Mariângela Grillo.

No ano seguinte, a Folia de Reis de Burarama foi convidada a participar do 50º Encontro Nacional de Folias de Reis de Muqui, porém havia um problema: o grupo ainda não tinha uniformes e instrumentos musicais. Mesmo assim, com instrumentos doados pelo mestre Areno e também emprestados por outras folias, o grupo participou do encontro. Por ser o único grupo composto somente por crianças – todos com 8 anos de idade, em média– , eles passaram a ser conhecidos como Folia de Reis Mirim de Burarama.

Em 2005, mestre Areno escolheu o folião Wilson Diniz Cecon – que naquele momento já tinha 15 anos de idade e ocupava o cargo de contramestre – para assumir a folia como mestre. Ele também foi incentivado por sua avó Maria do Carmo Diniz (mais conhecida como Dona Carminha, neta do falecido mestre Hipólito).

No ano de 2006 foi confeccionado o primeiro fardamento completo da folia, com camisa, calça e coroa. As próprias mães dos foliões – muitas delas filhas e netas de antigos foliões – é que confeccionaram essa indumentária inicial do grupo. A dificuldade em conseguir recursos para vestimentas e instrumentos chegou a desanimar os foliões, mas, aos poucos, as adversidades foram sendo dribladas. Foi naquele mesmo ano que o grupo, agora formado por adolescentes, começou a cumprir o ciclo natalino sozinho, sem a presença do mestre Areno, que, àquela altura, já havia cumprido sua missão como folião.

Em 2007, Dona Carminha, uma das maiores incentivadoras da folia, descobriu que estava com câncer. Foi quando seu neto, o mestre Wilson, agora com 17 anos de idade, fez uma promessa aos Santos Reis: cumpriria uma jornada de 7 anos com sua folia, pela cura de sua avó. Foi nesse momento que a folia foi rebatizada como Folia de Reis Missão Divina. Infelizmente, sua avó não resistiu à doença, mas ele manteve-se firme em sua promessa, um dever de vida desempenhado até hoje. Atualmente, a folia cumpre sua missão em memória a Dona Carminha e aos antigos foliões de Burarama, como o falecido mestre Hipólito.

Em 2010, graças a um projeto cultural feito pela Associação de Folclore de Cachoeiro (atual Associação de Salvaguarda do Patrimônio Imaterial Cachoeirense), o grupo adquiriu novos instrumentos musicais e fardamentos, o que se repetiu mais tarde, no ano de 2018.

De 2011 a 2016, mestre Wilson – em parceria com a Associação e por meio do Ponto de Cultura do Folclore – realizou diversas ações de formação de novos foliões e de sanfoneiros na comunidade de Burarama, direcionadas especialmente a crianças e adolescentes (confira algumas imagens na seção Galeria de fotos). Os aprendizes de foliões receberam uma sólida formação, que ia das profecias à marcha das folias, passando pelas toadas. Muitos dos foliões da Missão Divina e dos componentes de outras folias de reis da região são oriundos dessas formações.

Atualmente a Folia de Reis Missão Divina é composta por componentes na faixa etária dos 30 anos, mas sempre conta com crianças e adolescentes em sua composição, num processo contínuo de renovação – renovação que acontece com a presença dos filhos, ainda bem pequenos, de seus mais “antigos” foliões.

 

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