Caxambu

A origem do caxambu

“No tempo do cativeiro”, exaustos e necessitados de lazer depois de um dia de trabalho, quando os senhores dormiam, os negros brincavam às escondidas, fazendo ironia aos fazendeiros e capatazes com jongos desafiadores e fortes batidas nas caixas preparadas para a festa. Buscavam, nas letras debochadas, um alento para extravasar a revolta pelos maus tratos que lhes eram impostos durante o dia. Criativos e festeiros “brincavam” muitas vezes até o amanhecer, quando retornavam ao trabalho. Mas as rodas de caxambu, que posteriormente passaram a ser autorizadas pelos senhores de pessoas escravizadas, também eram o lugar da resistência ao cativeiro. Nelas os escravizados combinavam revoltas, fugas e vingança contra seus senhores, sinhás e feitores.

Dada a notícia do rompimento oficial e definitivo da escravidão, muitos negros deixaram suas fazendas e juntaram-se nas ruas a comemorar, dançando, cantando e tocando em seus caixotes. A partir desta data o caxambu tornou-se uma constante nas madrugadas, os caixotes foram substituídos por tambores feitos com troncos de goiabeira apanhados no mato, troncos estes ocos que passavam por limpeza interna. Uma vez preparados, emitiam sons fortes que eram ouvidos a muitos quilômetros de distância. O tronco de goiabeira oca também era chamado de caxambu e em algumas localidades a madeira era conhecida como tambor por ser encontrada ocada na mata.

Princesa foi se embora,
Escreveu no papelão.
Quem quiser comer,
Trabalhe com suas mãos.
(Jongo cantado pelo grupo de Caxambu Santa Cruz de Monte Alegre)

Segundo a tradição oral, até meados do século XX os caxambus eram comandados apenas por homens e dele só podiam participar adultos. As crianças eram excluídas, pois os grupos estavam sempre ligados à umbanda onde eram praticados rituais mágicos e aconteciam milagres.

Com o passar dos anos, tendo as mulheres assumido os grupos, os rituais de magia começaram a cair em desuso e o caxambu passou a ser praticado apenas como brincadeira pelas comunidades, sendo assim, as crianças começaram a ser aceitas nos grupos.

Algumas histórias fabulosas são recorrentes nos grupos de Cachoeiro e região: uma delas conta que durante uma noite uma bananeira era plantada, nascia, crescia, dava fruto e os frutos eram colhidos e comidos pelos integrantes do grupo na mesma noite; outra conta que após tirar uma lasca com facão do barrote que sustentava o centro espírita, da fenda saía vinho que era tomado por todos. Disputas entre caxambuzeiros também eram comuns: certa vez um caxambuzeiro, ao desafiar outro que estava na roda, jogou seu cajado no chão e ele se transformou em cobra, imediatamente o desafiado lançou seu chapéu sobre a cobra e ele se transformou em um gavião que pegou a cobra e saiu voando. Nessas disputas pode mais quem domina melhor os conhecimentos mágico-religiosos do caxambu.

 

A música

No início, eram referências pejorativas a senhores e sinhás de fazendas cafeeiras e seus feitores. Os negros ironizavam e debochavam de seus algozes através dos jongos improvisados, com versos simples, em forma de redondilhas de fácil memorização encantavam pelo tema abordado. A mudança no contexto dos grupos acarretou a modificação dos temas improvisados, não perdendo a sutileza, porém, retratando o sentimento do momento, os jongueiros expõem o cotidiano, criam temas de agradecimentos, exaltam as belezas do município, cantam a amizade e criam versos lembrando a saga do povo brasileiro em geral, apesar de tudo isso, temas que relatam a dor e as agruras do cativeiro ainda permanecem presentes. Os mais atentos poderão gravar as letras que certamente não será repetida da mesma forma já que o improviso é o grande enigma da manifestação.

Nos terreiros de umbanda os jongos podem ser chamados de “pontos” que têm a mesma característica, porém mais concentrada na exaltação dos santos de devoção do terreiro, mas sempre com significados cifrados que só são compreendidos pelos iniciados.

Para que uma roda seja aberta, é cantado o jongo pedindo a bênção da Santíssima Trindade. Esse jongo sempre é tirado pelo mestre do grupo:

Aê, aê, aê, aê,
Pai, Filho, Espírito Santo.
Aê, aê, aê, aê,
Na hora de Deus amém.
Aê, aê, aê,
Pai, Filho, Espírito Santo, (bis)
Na hora de Deus amém. (bis)
(Caxambu Santa Cruz)

Posteriormente os caxambuzeiros vão tirando jongos que podem falar do cotidiano da comunidade, ser irônicos, ou mandar algum recado para alguém que está presente na roda:

Saí de casa na noite de sexta-feira. (bis)
Minha mãe morreu domingo,
eu nasci segunda-feira. (bis)
(Caxambu Santa Cruz)

Tatu tá cavucando,
A terra tá sumindo. (bis)
Perguntei o Mestre Jongueiro,
Pra onde a terra tá indo? (bis)
(Caxambu Santa Cruz)

Eu vim aqui que mandaram me chamar, (bis)
Vou deixar recordação pro povo desse lugar. (bis)
(Caxambu Santa Cruz)

Galo cantou no terreiro de Alexandre,
Nunca vi galo pequeno, cantar no terreiro grande!
(Caxambu Alegria de Viver, Vargem Alegre)

Rosalina, Rosalina, Rosalina,
Seu eu fosse casada chorava.
(Caxambu Alegria de Viver, Vargem Alegre)

Ê baiana vem cá vem,
Me ajudá eu cantar.
Que a meia noite eu vou embora,
Tambor de mina faz divisa com Carangola.
(Caxambu Alegria de Viver, Vargem Alegre)

Escrevi jongo fraco,
Por que é uma diversão.
Mais o caxambu tem jongo sério,
Que não é brinquedo não.
(Caxambu da Velha Rita)

Tu não mexe comigo não,
Tu não mexe comigo não,
Tu não mexe comigo não,
Caninana não mexe comigo não.
(Caxambu Alegria de Viver, Vargem Alegre)

Eu mando na pemba,
Mas a pemba não manda em mim.
(Caxambu Alegria de Viver, Vargem Alegre)

Pisei na areia fina,
Deixei meu rastro pra trás.
Eu gostava muito,
Agora não gosto mais.
(Caxambu Santa Cruz)

Também estão sempre presentes jongos que falam do sofrimento do cativeiro e da liberdade:

No tempo da escravidão,
Preto velho não tinha valô.
Sendo em cima do toco,
Rezando uma prece pra nosso senhor.
(Caxambu Alegria de Viver, Vargem Alegre)

No tempo do cativeiro,
Como o senhor me batia.
Eu gritava por Nossa Senhora, ai meu Deus!
Ai como o chicote doía!
(Caxambu Alegria de Viver, Vargem Alegre)

Me dá licença pra eu correr seu corpo inteiro, (bis)
Pra ver se tem a marca do tempo do cativeiro. (bis)
(Caxambu Santa Cruz)

Tô chegando e não posso demorar,
Eu vim da senzala porque gosto de dançar.
(Caxambu da Velha Rita)

Tava dormindo, o senhor me chamou, (bis)
Acorda negro cativeiro se acabou! (bis)
(Caxambu Santa Cruz)

Tava dormindo o tambor me acordou,
Levanta negro, cativeiro acabou!
(Caxambu Alegria de Viver, Vargem Alegre)

Sou nega sim, escrava não,
A princesa Izabel nos deu libertação.
(Caxambu da Velha Rita)

Para encerrar, sempre é cantado um jongo de despedida, que tem como objetivo fechar a roda:

Adeus, adeus, meus filhos, eu vou simbora.
Vocês fica com Deus, que eu vou com Nossa Senhora.
(Caxambu Santa Cruz)

Normalmente os grupos utilizam como instrumentos apenas dois tambores: caxambu (o maior, que tem como função “chamar”) e candongueiro (o menor que tem como função “responder”). Os tambores eram feitos com troncos de goiabeiras ocas, que depois de passar por limpeza interna eram colocadas ao sol para secar. Na extremidade da madeira é esticado couro de boi anteriormente raspado e depois de seco esticado nas bordas. Após alguns dias de secagem ao sol, os tambores estão prontos para uma rápida lavagem de cachaça e colocados diante da fogueira acesa para esquentar e para descansar, dando assim maior afinação ao mesmo e possibilitando propagação de som mais envolvente. Antes de cada apresentação os tambores devem ficar algum tempo esquentando para esticarem o couro, garantindo aos batedores maciez e propagação do som a quilômetros de distância, no entanto, de acordo com a tradição, após a meia noite os tambores não precisam ser esquentados.

O Grupo de Caxambu Alegria de Viver de Vargem Alegre também utiliza um chocalho como instrumento. Já o Caxambu da Velha Rita no Zumbi, utiliza atabaques como instrumentos de percussão.

Existem registros de outros grupos já extintos em Cachoeiro que utilizavam três tambores, sendo que o de tamanho intermediário chamava-se candongo. Outros tambores que merecem destaque são os do grupo do falecido Mestre Salatiel, em formato de cálice, possuindo uma base na parte inferior que tem como objetivo fixar os tambores na terra durante as rodas de caxambu.

A dança

A dança acontece tradicionalmente ao lado de uma fogueira que deve ser acesa com antecedência e sempre num mesmo local da comunidade. Em Monte Alegre próxima a uma grande árvore no centro da comunidade e em Vargem Alegre próxima à casa da falecida Mestra Canuta Caetano.

Não existe número determinado de pessoas para “brincar” o caxambu. Uma grande roda é formada na qual os dois caxambuzeiros têm seus lugares específicos onde tocam os tambores até o fim da dança. Tocar tambor, normalmente é uma função masculina, no entanto, em Monte Alegre, Dona Adevalmira Adão Felipe, “Cumadi Ilinha” é quem comanda os tambores, sendo no Estado do Espírito Santo a primeira mulher a exercer essa função.

O mestre inicia a roda pedindo licença à santíssima trindade, com uma mão sobre os tambores e cantando um jongo que será puxado, primeiro pelo mestre, depois repetido em coro por todos os componentes da roda que acompanham cantando e marcando o ritmo com palmas. Enquanto o mestre dança no centro da roda escolhe uma pessoa, a qual, convida para dançar, ao aceitar o convite do mestre, a pessoa dança com rodopios e pequenos saltos e volta para o seu lugar. O mestre retorna ao seu lugar ao centro e convida outra pessoa, e assim o convite é feito a todos os participantes da roda.

Quando é convidado para roda, o caxambuzeiro pode parar os tambores e lançar um desafio em forma de jongo (verso) que é cantado por todos sendo interpretado por outro caxambuzeiro que lança outro desafio até que a roda seja encerrada. Para lançar um novo desafio os tambores são parados, momento em que o jongo é cantado pelo caxambuzeiro e depois repetido por todos, que acompanham a brincadeira com palmas cadenciadas ao ritmo dos tambores.

Todas as pessoas podem participar da dança, entretanto, o jongo é reservado aos caxambuzeiros já treinados e conhecedores dos mistérios (segredos e enigmas) da “brincadeira”. Caso algum convidado sinta-se a vontade para entoar algum jongo, deverá, em respeito ao mestre, pedir licença. No entanto, se esse jongo for desrespeitoso, outro jongo pode ser lançado e aquele que cometeu a falta fica amarrado (preso) na roda até que outro possa soltá-lo com outro jongo, ou com uma oração muito forte.

O encanto da dança está no fato de todos serem chamados a dançar no centro da roda, onde entre palmas e o toque dos tambores, há um místico envolvimento que relaxa e alegra a todos os presentes.

 

A indumentária

Como o caxambu com o passar dos anos tornou-se uma “brincadeira” onde todos da comunidade podem participar e divertirem-se, não existe uma roupa específica para o grupo. No entanto, a roupa deverá sempre ser a melhor, pois trata-se de um momento especial. Mestres antigos relatam que os homens vestiam ternos de linho branco com chapéus de palha e as mulheres usavam suas melhores roupas, só eram permitidas saias, de preferência as bem rodadas. Um detalhe importante é que para entrar na roda o participante deverá estar descalço.

Atualmente os grupos, como forma de diferenciação e de organização, usam nas apresentações públicas roupas próprias as quais chamam de uniforme. As roupas não possuem um padrão fixo, no entanto, a regra é que os homens devem usar calça comprida e as mulheres saias bem rodadas. O tipo de tecido perdeu a importância, alguns grupos usam rendas e algodão cru, outros cetim de coloração forte e outros chitão. Elementos importantes da indumentária feminina são os colares multicoloridos e pulseiras, em alguns grupos os turbantes usados na cabeça.

 

A festa

Originalmente praticado nas senzalas, de acordo com a tradição oral, somente a partir do “raiar da liberdade” (abolição da escravidão) no dia 13 de maio de 1888, é que o caxambu começou a ser praticado ao ar livre.

Para fazer uma roda de caxambu, não é preciso um motivo específico, qualquer evento, seja casamento, batizado, festa do santo padroeiro, ou presença de visita ilustre, é motivo de festa. A única exigência é que seja durante a noite e após acesa a fogueira ao centro do terreiro.

A festa acontece sempre ao lado da fogueira que tem três finalidades, a de “afinar” os tambores, a de iluminar as noites escuras e a de aquecer as noites frias. Sem a fogueira não há como realizar a festa.

O principal evento dos três grupos em atividade no município acontece no dia 13 de maio, sendo que o Caxambu da Velha Rita no Zumbi, ao contrário dos demais, só acontece neste dia.

 

O mestre

Nos grupos de caxambu, os mestres têm a função de liderança e sacerdócio. Nem sempre o mestre é o integrante mais velho do grupo, e sim aquele que recebe a missão de seus pais e a conduz até o falecimento. Cada grupo em atividade em Cachoeiro, possui um mestre principal e outros que apesar de também exercerem a liderança e de possuírem o conhecimento submetem-se à hierarquia do mestre principal.

Uma das principais características dos grupos de Cachoeiro e do Espírito Santo é a liderança feminina que começou a se impor principalmente após a década de 1960.

As informações sobre o caxambu aqui transcritas nos foram passadas por Canuta Caetano (falecida), Pedro Paulo Caetano, Hyldo Caitano (falecido), Luizia Caetano (falecida) e Ormyr Caetano mestres do Caxambu Alegria de Viver de Vargem Alegre, distrito de São Vicente, Maria Laurinda Adão, Adevalmira Adão Felipe, Edivaldo Adão Felipe e Neuza Gomes Ventura, mestres do Caxambu Santa Cruz de Monte Alegre, distrito de Pacotuba e Niecina Ferreira de Paula Silva, a Dona Isolina mestra do Caxambu da Velha Rita, do Bairro Zumbi.

 

Lista dos grupos de Caxambu:

  • Caxambu Santa Cruz – Monte Alegre
  • Caxambu Alegria de Viver – Vargem Alegre
  • Caxambu da Velha Rita – Zumbi

 

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