Charola de São Sebastião
A origem da charola
Conta a história que o Rei Diocleciano motivado pela inveja mandou matar o mais competente e amado soldado do exército romano, Sebastião, comandante respeitado e admirado por seus soldados, foi morto por seu próprio exército em uma cilada armada pelo rei. Jogado no mato, ficou oito dias e oito noites, morto, sem que seu corpo entrasse em estado de decomposição. Ressuscitou, retomou sua vida já com poderes de um “iluminado” realizando curas e fazendo trabalho de caridade ao qual foi designado ao reencontro com seu povo de origem, os puris, povo que vivia isolado nas matas brasileiras e que hostilizava qualquer estranho que aproximava-se de suas terras.
Ao aproximar-se da tribo não foi reconhecido por seus irmãos, devido o afastamento com seu povo ter sido feito quando ele ainda era muito novo, e por não ter sido reconhecido, foi atacado por flechas e amarrado em um galho de goiabeira onde os índios dançavam ao seu redor comemorando a vitória sobre o que eles consideravam um inimigo. Posteriormente descobriram sua verdadeira origem. O guerreiro, morto pela segunda vez não mais ressuscitou. Canonizado pela igreja católica São Sebastião é exaltado por seus inúmeros milagres.
A Charola representa a homenagem prestada pelos descendentes dos índios puris e pelos soldados que amavam a São Sebastião, em sinal de arrependimento pelo que fizeram com seu irmão e comandante.
O grupo é composto por dezesseis componentes, a saber: o mestre, o contramestre, o bandeireiro, os foliões e as dançarinas, todos eles são considerados soldados de São Sebastião e exercem funções distintas: ao mestre cabe a direção do grupo e a condução das toadas através de seu apito; ao contramestre a função de substituir o mestre em seus impedimentos; o bandeireiro vai à frente do cortejo levando a bandeira do “Mártir São Sebastião”; os foliões são responsáveis por tocar os instrumentos musicais, função que também tem o mestre e contramestre, dentre eles destaca-se o sanfoneiro que conduz as toadas; as dançarinas são cinco meninas que realizam passos coreografados no meio da roda.
Atualmente o único grupo em atividade no Espírito Santo é a Charola de Jacu, da família Quirino da Silva.
A música
A música é elemento fundamental na charola uma vez que é através de suas letras que os soldados-foliões contam a história da vida e do martírio de São Sebastião. Na atual configuração do grupo são utilizados como instrumentos: violão, viola, cavaquinho, bumbo, caixa, triângulo, acordeão e pandeiro.
Os versos homenageiam o santo contando seus feitos heroicos, exaltando-o como bom guerreiro e rememorando seu sofrimento, sua primeira morte, sua ressurreição, sua morte definitiva e, posteriormente, os grandes milagres que operou e opera na vida das pessoas.
Quando chega em uma casa o grupo canta uma toada anunciando sua chegada e pedindo à família que abra sua porta para receber a jornada:
Meu Senhor dono da casa, ai, ai,
Escutai nobre Senhor, ai, ai,
Na chegada em sua casa, ai, ai,
São Sebastião martizador, ai, ai.
Na chegada em sua casa, ai, ai,
As pastorinhas da serra, ai, ai,
Vem trazer bonita nova, ai, ai,
Que já há Jesus na terra, ai, ai.
Meu Senhor dono da casa, ai, ai,
Vem pegar nossa bandeira, ai, ai,
Que nós estamos viajando, ai, ai,
Guiado por uma estrela, ai, ai.
Deus lhe salve, boa gente, ai, ai,
Que tem sua devoção, ai, ai,
Na chegada em sua casa, ai, ai,
O mártir São Sebastião, ai, ai.
Eu já dei a boa nova, ai, ai,
Que aqui tinha que dar, ai, ai,
Agora peço licença, ai, ai,
Na sua casa entrar, ai, ai.
Se recebido pela família, o grupo pede licença para que a bandeira possa entrar na casa para abençoá-la:
A bandeira veio lhe ver,
Em toda casa vem chegando. (2x)
Vem saber quem é devoto,
É dando viva um novo ano. (2x)
Vós pegou nesta bandeira,
Repara quem nela está. (2x)
É o mártir São Sebastião,
Ele hoje veio lhe visitar. (2x)
O senhor dono da casa, (2x)
Nós queremos agradecer.
>De aceitar nossa bandeira,
Que de nós a recebeu. (2x)
A bandeira pede oferta,
Mas não é por precisão. (2x)
Estamos cumprindo uma promessa,
Que temos por devoção. (2x)
Abençoada foi a mão,
Que pegou nossa bandeira, (2x)
E eu saúdo o dono da casa,
Com a sua família inteira. (2x)
Para que a bandeira permaneça na casa alguém deverá pegá-la:
Quem pegou nessa bandeira,
Oh Virgem Maria, ai, ai,
Foi uma nobre Senhora,
Oh Virgem Maria, ai, ai.
É de ser bem ajudado,
Oh Virgem Maria, ai, ai,
Da virgem nossa Senhora,
Oh Virgem Maria, ai, ai.
Quem pegou nessa bandeira,
Oh Virgem Maria, ai, ai,
Foi uma senhora de idade,
Oh Virgem Maria, ai, ai.
Deus dá muitos anos de vida,
Oh Virgem Maria, ai, ai,
E muita felicidade,
Oh Virgem Maria, ai, ai.
Quem pegou nessa bandeira,
Oh Virgem Maria, ai, ai,
Foi uma menina de bom porte,
Oh Virgem Maria, ai, ai.
Deus lhe dá felicidade,
Oh Virgem Maria, ai, ai,
E também uma boa sorte,
Oh Virgem Maria, ai, ai.
Quem pegou nessa bandeira,
Oh Virgem Maria, ai, ai,
Uma criança inocente,
Oh Virgem Maria, ai, ai.
Deus lhe dá uma boa sorte,
Oh Virgem Maria, ai, ai,
E dá muita inteligência,
Oh Virgem Maria, ai, ai.
Abençoada foi a mão,
Oh Virgem Maria, ai, ai,
Que pegou nessa bandeira,
Oh Virgem Maria, ai, ai.
São Sebastião me abençoa,
Oh Virgem Maria, ai, ai,
Com toda família inteira,
Oh Virgem Maria, ai, ai.
Após esse momento o grupo enaltece o “enfeite da bandeira” e quem a enfeitou:
Abençoada foi a mão, Deus lhe salve, Deus lhe salve,
Que na bandeira enfeitou, Deus lhe salve…
É de ser bem enfeitada, Deus lhe salve, Deus lhe salve,
Nos pés de nosso Senhor, Deus lhe salve…
Quem enfeitou nossa bandeira,
Deus lhe salve, Deus lhe salve,
Na bandeira pôs a mão, Deus lhe salve…
Mostrando que é devoto,
Deus lhe salve, Deus lhe salve,
Do mártir São Sebastião, Deus lhe salve…
Há que mão abençoada,
Deus lhe salve, Deus lhe salve
Que enfeitou nossa bandeira, Deus lhe salve…
É de ser bem enfeitada,
Deus lhe salve, Deus lhe salve,
Lá na glória verdadeira, Deus lhe salve…
Tendo acabado a exaltação à bandeira, o grupo canta o nascimento e padecimento de São Sebastião:
Foi em vinte de janeiro,
Que nasceu São Sebastião.
Foi encerrada a sua vida,
Nessa mesma ocasião.
Quem rezar este mistério,
Que presta bem atenção.
É que vem como uma inveja,
E virá perseguição.
O dono deste reinado,
Era Diocleciano.
Que matava todo soldado,
Os que fosse gradoado.
Em Roma ele foi nascido,
Em Roma ele foi criado.
Pelo Imperador Romano,
São Sebastião foi educado.
De repente veio a inveja,
E a terrível perseguição.
Mandado do imperador,
Prenderam São Sebastião.
Era um soldado guerreiro,
Defensor da humanidade.
Escarneceu São Sebastião,
Na tamanha crueldade.
Mandado do imperador,
Mataram São Sebastião.
Com oito dias depois,
Ressuscitou São Sebastião.
Depois que ressuscitou,
Ele entrou pro mar adentro.
Com sua espada na mão,
Comandando o regimento.
E comandando o regimento,
Com a sua espada na mão.
Em Roma ele foi sargento,
De tenente e a capitão.
O mártir São Sebastião,
Foi soldado destemido.
Foste preso e amarrado,
Traz no seu peito ferida.
O mártir São Sebastião,
Com a sua chaga não fecha.
Traz no seu peito ferido,
Todo traçado de flecha.
Na baina do imbé,
Aonde os puri se escondeu.
O mártir São Sebastião,
Por ser santo não mereceu.
Naquele centro de mata,
Prenderam São Sebastião.
No jardim das oliveira,
Na terra dos seus irmãos.
O mártir São Sebastião,
Ele é protetor da terra.
Ele mesmo é que nos livra,
Da fome peste e da guerra.
O mártir São Sebastião,
É um Santo glorioso.
Ajuda na nossa luta,
Para ser vitorioso.
O mártir São Sebastião,
Foi soldado de vitória.
Foi soldado aqui na terra,
Hoje é santo lá na glória.
O mártir São Sebastião,
No toco da goiabeira.
Pra remir nossos pecados,
No jardim das oliveira.
O mártir São Sebastião,
Foi marrado com uma corda.
Pra remir nossos pecado,
Senhor Deus misericórdia.
Bendito e louvado seja,
Este santo glorioso.
Que nos livra de todo mal,
Deste mal contagioso.
O mártir São Sebastião,
Com a nossa santa espada.
Depois da guerra vencida,
Deixou na terra gravada.
O mártir São Sebastião,
Com a divina e santa espada.
E depois que venceu a guerra,
Ele quebrou a sua espada.
E bendito louvado seja,
Este Santo verdadeiro.
nosso defensor,
Este soldado Guerreiro.
E bendito e louvado seja,
O senhor daquela cruz.
Nos livrai de todo mal,
Para sempre amém Jesus.
Após cantar a vida e morte do santo, o grupo faz uma pausa para cear com a família, esse é um momento de grande confraternização entre os moradores da casa e os foliões. Ao final da ceia o grupo retoma sua formação para agradecer a alimentação:
Oh meu Deus me dá memória,
São hora de agradecer.
Quem rezar este mistério,
Todo haverá de ter.
Lá do céu desceu um anjo,
Trazendo bandeira branca.
É que vem agradecer,
Esta sua mesa branca.
Lá na mesa dos apóstolos,
Muita gente alimentou.
São Pedro partiu o pão,
Jesus Cristo é quem mandou.
Jesus Cristo abençoou,
São Pedro partiu o pão.
E todos se alimentaram,
Com três peixes e sete pães.
Lá na mesa dos apóstolos,
Tanta gente se alimentou.
E todos ficaram cheios,
Sete cesto ainda sobrou.
Jesus Cristo abençoou,
São Pedro partiu o pão.
Foi tão pouco alimento,
Deu pra toda multidão.
Com obra do Pai Eterno,
Jesus Cristo Salvador.
E todos se alimentaram,
Do resto que lá ficou.
Deus lhe pague o alimento,
Que matou a nossa fome.
Tá na mesa dos apóstolos,
É o manjar que os anjos come.
Deus lhe pague o alimento,
Que vós deu pros folião.
É de ser bem ajudado,
Do mártir São Sebastião.
Deus lhe paga o alimento,
Que vós deu pros folião.
Quando lá para o céu subir,
Os anjos lhe dará a mão.
Após esse momento, o dono da casa oferece uma oferta à bandeira e prontamente o grupo agradece a oferta recebida:
Oh Deus lhe pague pela oferta, ai… (2x)
Que vós deu nossa bandeira, ai… (2x)
É de ser bem ajudado, ai…
Pelo mártir das oliveiras, ai…
Deus lhe pague pela oferta, ai…
Que vós deu de coração, ai…
É de ser bem ajudado, ai…
Pelo mártir São Sebastião, ai…
A oferta que vós deu, ai…
E ela não fica perdida, ai… (2x)
Deus te dá felicidade, ai… (2x)
E muitos anos de vida, ai… (2x)
Deus lhe pague pela oferta, ai…
Que tirou da sua despensa, ai… (2x)
Aqui na terra será pobre, ai… (2x)
Lá no céu terá riqueza, ai… (2x)
A oferta que vós deu, ai…
Que do seu bolso tirou, ai…
É de ser bem ajudado, ai…
São Sebastião martisador. ai… (2x)
Agradeço a sua oferta, ai… (2x)
Que ainda está na sua mão, ai… (2x)
Quando lá pro céu subir, ai… (2x)
Os anjos lhe dará a mão, ai…
Para que o grupo possa continuar a jornada eles cantam a “despedida da bandeira na casa” pedindo que ela seja devolvida para que possam prosseguir:
Senhora dona da casa,
Vem trazer nossa bandeira.
Que nós tamo viajando,
Guiado por uma estrela.
Ai, ai, ai, guiado por uma estrela. (2x)
A bandeira vai embora,
Com pena de ti deixar.
Ela mesmo lhe convida,
Pra ir com ela passear.
Ai, ai, ai, pra ir com ela passear. (2x)
Senhora dona da casa,
Entrega nossa bandeira.
Que ela é, a nossa guia,
E, é a nossa companheira.
Ai, ai, ai, e, é a nossa companheira. (2x)
A bandeira se despede,
Rezando salve rainha.
Vocês fica convidado,
Para o dia da ladainha.
Ai, ai, ai, para o dia da ladainha. (2x)
A bandeira se despede,
Rezando Ave Maria.
A hora da ladainha,
Dia vinte ao meio dia.
Ai, ai ai, dia vinte ao meio dia. (2x)
A bandeira se despede,
Dando adeus para o povo.
Nela mesmo está escrito,
Que ela votará de novo.
Ai, ai, ai, que ela votará de novo. (2x)
Bendito louvado seja,
Este Santo verdadeiro.
O dia da ladainha,
É o dia vinte de janeiro.
Ai, ai, ai, é o dia vinte de janeiro. (2x)
Até a volta gente nobre,
Gente de bom coração.
Vocês fica todos com Deus,
Nós vamo com São Sebastião.
Ai, ai, ai, nós vamo com São Sebastião. (2x)
Já fizemos a despedida,
Agora vamo-se embora.
Vocês fica todos com Deus,
Nós vamos com nossa Senhora.
Ai, ai, ai, nós vamo com nossa Senhora. (2x)
Até a volta gente nobre,
Até paro ano que vem.
Se a morte não matar,
E os anjos disser amém.
Ai, ai, ai, e os anjos disser amém. (2x)
A jornada
A jornada tem início no dia seis de janeiro ao meio dia e encerra-se no dia vinte de janeiro também ao meio dia, quando acontece a festa da entrega da bandeira. Antes de iniciarem a jornada, ainda no altar da casa de oração, os componentes da Charola fazem uma prece pedindo a Deus e a São Sebastião proteção e sucesso em sua caminhada. Após preces e cantoria o grupo sai em jornada de casa em casa cantando a vida e o padecimento do “Mártir São Sebastião”. Ao final da jornada acontece a entrega da bandeira que é uma grande festa na qual o grupo recebe muitos visitantes.
A indumentária
O fardamento do grupo é muito simples, os homens usam calça comprida azul claro, camisa de botão branca e sobre ela um colete azul mais escuro que a calça, na cabeça uma coroa azul decorada com espelhos. As mulheres usam calça comprida e camisa de manga comprida branca. Sobre os ombros usam uma “vestia” preta decorada com espelhos e com fitas coloridas que chegam até próximo ao chão. Na cabeça usam uma coroa preta decorada com pequenos espelhos.
A festa
Ao final da jornada a charola realiza uma grande festa para a entrega da bandeira. O evento acontece durante um dia inteiro e reúne grande quantidade de grupos de bate flechas de São Sebastião visitantes. Ao chegar o grupo visitante forma-se e solta fogos, nesse momento, o grupo da casa vai ao seu encontro tocando e batendo suas flechas, após a troca das bandeiras eles seguem até o interior da casa de oração onde realizam seus rituais de fé e devoção a São Sebastião. A partir das onze horas é servido um almoço comunitário para todos os visitantes.
O ponto alto da festa é o momento em que acontece a entrega da bandeira da charola ao “Mártir São Sebastião” marcando o final da jornada e o ano de bênçãos alcançadas por todos os seus integrantes. Embora a tradição mande que a entrega seja feita ao meio dia, na prática ela acaba acontecendo por volta das quatorze horas. Nesse momento é cantada a seguinte toada:
Vou entregar nossa bandeira, ô, lá, lá,
Ao mártir São Sebastião, ô, lê…
Que ela seja a nossa guia, ô, lá, lá,
E a nossa proteção, ô, lê…
Vou entregar nossa bandeira, ô, lá, lá,
Aos Três Reis do oriente, ô, lê…
Que seja a nossa proteção, ô, lá, lá,
Esteja sempre em nossa frente, ô, lê…
Entrego nossa bandeira, ô, lá, lá,
Até pro ano que vem, ô, lê…
Se a morte não matar, ô, lá, lá,
E os anjos disser amém, ô, lê…
Entrega nossa bandeira, ô, lá, lá,
Ao nosso senhor Jesus, ô, lê…
Nos livra de todo mal, ô, lá, lá,
Para sempre amém Jesus, ô, lê…
O mestre
O grupo em atividade possui uma organização muito particular, sendo comandado pelo mestre Izaías Quirino da Silva que além de ser o patriarca da família é a grande liderança espiritual da casa de oração que congrega a Charola. São atributos do mestre: dignidade, respeito, sabedoria e liderança.
As informações a respeito do folguedo foram passadas pelo Mestre Izaías Quirino da Silva, pelo contramestre Adílio Quirino da Silva e Erotildes Pereira da Silva, integrantes da Charola de Jacu e São Sebastião de Alto Paulista.
Lista dos grupos de Charola: