Caxambu Alegria de Viver – Vargem Alegre

O Caxambu Alegria de Viver, da comunidade de São Sebastião de Vargem Alegre, surgiu de uma família de ex-escravizados da Fazenda da Serra, localizada na região do distrito de São Vicente, em Cachoeiro de Itapemirim, que era propriedade de José Rosa Machado.

O velho Canuto Caetano, patriarca da família, era filho de um dos irmãos do proprietário da Fazenda da Serra com uma escravizada de sua fazenda, que trabalhava como cozinheira da casa-grande. Ainda muito jovem, Canuto foi levado por seu tio para ser um “escravo de dentro da casa” (termo que era utilizado para os escravizados que ganhavam a confiança dos seus senhores e eram retirados do eito para executar trabalhos na casa-grande, que eram muito menos pesados do que os trabalhos braçais nas roças de café).

Ganhando a confiança de seu senhor, e já casado com a também escravizada Estrelina, com quem teve 13 filhos, Canuto recebeu a concessão para abrir uma picada em uma parte da propriedade ainda totalmente coberta de mata, para que pudesse construir sua casa. O local escolhido foi perto de um ribeirão, o que possibilitaria o abastecimento da casa que seria construída no local, a meio caminho da Fazenda da Fruteira, do Coronel Siqueira. Dessa maneira, seu senhor garantia uma rota de escoamento de sua produção agrícola.

A casa construída por Canuto e Estrelina era de porão alto e tinha 13 cômodos. Além da casa, ele construiu tulha, curral, engenho e ceva para os porcos. A terra da pequena propriedade, que tinha originalmente 40 alqueires, foi comprada de seu senhor com o fornecimento da madeira que era tirada da mata para a abertura de espaço para novas roças. Na propriedade, eles plantavam café catuaí – que mais tarde seria substituído pelo conilon –, cana-de-açúcar – que era processada em um pequeno engenho, movido à tração animal, que produzia melaço, açúcar mascavo e açúcar branco –, leite, araruta, amendoim, mandioca, banana, batata doce, arroz, feijão, milho, inhame e quase tudo que precisavam para o consumo da família. No auge da propriedade, além dos filhos, trabalhavam quase 40 homens em época da safra, todos comandados pelo velho Canuto.

Dos 13 filhos de Canuto e Estrelina, foi Saturnino Luiz Caitano que se manteve na roça e que cuidou do caxambu. Saturnino casou-se com Antônia Mendes de Souza Caetano, que era filha de Guilhermina Mendes de Souza e Joaquim de Souza. Eles eram sitiantes na antiga Fazenda Muribeca, hoje município de Presidente Kennedy. Guilhermina foi abandonada com seus 5 filhos pelo marido e, por isso, mudou-se para Cachoeiro de Itapemirim, à procura de melhores condições de vida. Em Cachoeiro, trabalhava como lavadeira dos policiais da delegacia de polícia, que ficava onde atualmente se localiza a Igreja Nossa Senhora da Consolação.

Em suas idas a Cachoeiro, Saturnino conheceu Antônia. Com ela casou-se e teve 13 filhos: Vaiu, Vantuil, Gildo, Elza, Vanil, Maria Menta, Canuta, Ormyr, Francisco, Luíza, Maria Lúcia, Lúcia Maria e Pedro Paulo.

Com o crescimento da comunidade de São Sebastião de Vargem Alegre, em função da precariedade das casas (que eram todas de pau a pique com cobertura de sapê), ela começou a ser chamada de Tapera e, mais recentemente, apenas como Vargem Alegre.

Saturnino frequentava a Igreja de São Sebastião, em Conduru. Como era dovoto do santo, em uma ida ao estado do Rio de Janeiro, “trocou” (termo popular utilizado para compra de imagens sacras) uma imagem do santo e, ao chegar, construiu uma capela de estuque para ela (mais tarde, ela seria substituída por outra de alvenaria).

A vida na comunidade era muito animada: suas festas duravam de 3 a 4 dias. O caxambu era uma prática orgânica da comunidade, e tudo era pretexto para se fazer uma roda: casamento, aniversário, festa do padroeiro etc. Mas a maior festa mesmo sempre foi a do 13 de Maio, em comemoração à abolição da escravidão. As rodas eram sempre conduzidas por Canuto e Estrelina, sendo que a mãe dela – Antônia Mendes Caetano – era quem preparava a comida das festas.

Enquanto era vivo, Canuto Caetano comandava a roda de caxambu, mas também mantinha um grupo de folia de reis – da qual o seu pai, Saturnino Luiz Caitano, era o palhaço – e jogava capoeira. Tinha, ainda, um grupo de mineiro pau e, no carnaval, fazia a brincadeira da mulinha.

Sobre o futuro, todos estão de acordo ao dizer que as novas gerações não gostam mais do caxambu. Além disso, muitos que “passaram a crente” deixaram o grupo e, com isso, não sabem se ele terá continuidade.

 

Texto produzido a partir de entrevista concedida por Ormyr Caitano, Pedro Paulo Caetano, Euza Caetano e Maria Lúcia Caetano a Genildo Coelho Hautequestt Filho, em novembro de 2023 e fevereiro de 2024.

 

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