Niecina Ferreira de Paula Silva – Isolina

Mestra de Bate Flechas de São Sebastião

“Tudo o que fazemos na vida é uma plantação. A gente prepara os canteiros”

Gestos elegantes, forte, positiva. Niecina Ferreira de Paula Silva, a Dona Isolina, é reconhecida por ser uma lutadora incansável pela preservação da cultura popular em Cachoeiro. Hábil com as palavras, fala de maneira pausada e com os olhos fixos no interlocutor, de forma a não deixar dúvidas sobre o que pretende dizer e fazer.

Nascida em 2 de abril de 1955, em Itaici, interior de Muniz Freire, também é moradora do Zumbi há mais de 40 anos. Os pais eram trabalhadores rurais. A mãe rezadeira. Desde menina demonstra liderança e determinação. Ela conta que ainda na escola, em Anutiba, no interior de Alegre, bem pequena, chegou a criar um grupo teatral e dirigir as encenações.

Há anos comanda os grupos de Bate Flechas de São Sebastião Menino Jesus  e o Caxambu da Velha Rita. Começou o aprendizado sobre o Bate Flechas na infância, acompanhando a mãe na casa de oração em dias de  festas religiosas ou nas noites em que a “brincadeira” era iniciada pelos agricultores depois de um dia de trabalho. Chegou a criar o próprio grupo de jovens “flecheiros” quando a família ainda morava em Anutiba.

Com o casamento e a mudança para o Zumbi, aos 19 anos, deu continuidade às atividades e assumiu a liderança do Bate Flechas de São Sebastião do Menino Jesus . Envolveu-se na organização de eventos realizados pelo grupo e logo obteve o reconhecimento da comunidade. O evento mais tradicional é a homenagem ao  Dia de Nossa Senhora Aparecida, em 12 de outubro,data em que ocorre o mais antigo encontro de Bate Flechas do Espírito Santo.

Nesse dia os integrantes do grupo e jornaleiros visitantes saem em procissão pelas ruas do Zumbi conduzindo a imagem de Nossa Senhora Aparecida. Ela também promove a festa do 13 de Maio, com a realização da famosa Feijoada Comunitária do bairro Zumbi, nas dependências da sua Casa de Oração. Nessa ocasião, o Caxambu é praticado pelos membros da casa, em caráter de ritual religioso, após a incorporação da mestra pela entidade “Vovó Rita”.

Em 2010 Isolina foi reconhecida como Patrimônio Vivo de Cachoeiro. No mesmo ano, em 13 de maio, o Grupo de Caxambu da Velha Rita recebeu o título de Patrimônio Nacional concedido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacinal (IPHAN). Ainda em 2010 ela recebeu o Prêmio Mestre Armojo do Folclore Capixaba  e o  Prêmio Renato Pacheco, ambos concedidos pela Secretaria de Estado da Cultura (Secult).

Isolina é membro fundadora da Associação de Folclore, tendo presidido a entidade nos primeiros três anos de funcionamento. “O que a gente sabe, não aprende só na escola”, costuma repetir, acrescentando que tudo o que fazemos na vida é uma plantação. “A gente prepara os canteiros. Fiz um canteiro pequeno e ele foi reproduzindo”, filosofa.

A mestra tem uma mania curiosa, a de anotar em cadernetas espalhadas pela casa fatos e reflexões do seu dia a dia. E está escrevendo, também à mão, num caderno de pauta, a própria biografia. Segundo conta, num dia por volta dos 20 anos teve a revelação de que teria que dar seguimento à missão da mãe rezadeira. Oito dias depois, a mãe morreu.

“É um compromisso que procuro honrar com alegria”, frisa. Isolina diz que liderar é uma tarefa difícil. “Há 30 anos era mais fácil, hoje tem muita distração, é complicado manter as pessoas na disciplina”, reconhece.

Com um sorriso terno, revela que o segredo para a serenidade que aparenta é o agradecimento diário e o exercício da prece. “Na idade que estou chegando, posso cuidar de mim mesma. Mas a questão é que não consigo porque tem sempre alguém do lado precisando. É uma missão da qual não dá para escapar”.


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